Em 2024, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL) sancionou uma lei que institui o Abril Amarelo, dedicado, segundo o governo estadual, à “conscientização sobre a importância da defesa da propriedade privada”. A iniciativa gerou indignação por se contrapor diretamente às históricas reivindicações por justiça agrária e acesso à terra no Brasil.
Nas Miniteias Norte/Vale e Oeste/Serra realizadas este ano, os representantes dos Pontos de Cultura deliberaram que a Rede Cultura Viva Catarinense deveria manifestar apoio ao Abril Vermelho, posicionando-se contra o Abril Amarelo — iniciativa proposta por Jorginho. O termo Abril Vermelho foi adotado pela imprensa para se referir às ações promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ao longo do mês.
Há 29 anos, em 17 de abril de 1996, um episódio brutal marcou para sempre a luta camponesa no Brasil. Na Curva do S, trecho da BR-155, no município de Eldorado do Carajás (PA), uma operação policial com 155 agentes resultou no assassinato de 21 trabalhadores rurais do MST. Desde então, o mês de abril tornou-se um marco simbólico da resistência e da luta pela terra. Todos os anos, o MST promove a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, com ações em todo o território nacional que reafirmam a importância de um projeto de Reforma Agrária popular, voltado ao desenvolvimento do campo, à produção de alimentos saudáveis e ao combate à fome.
Acesse, leia e divulgue a Carta Manifesto proposta por Fabíola Girotto e Guga Paniz e subscrita pelos Pontos de Cultura de Santa Catarina.
Abril amarelo e a defesa da propriedade
O abril vermelho nasceu em 17 de abril de 1996, quando o estado, a milícia e pistoleiros contratados por latifundiários transformaram o vermelho da luta em vermelho de sangue, sangue que escorreu e manchou a terra, marcando a história desse país e do mundo. Nesse dia morreram assassinados camponeses que lutavam pelo direito à terra. Desde então o Movimento Sem Terra fez do mês de abril, um Abril vermelho, vermelho de luta, para que jamais volte a ser vermelho de sangue.
Neste marco tão importante e igualmente trágico, lembramos sempre que os companheiros que tombaram, viraram sementes. E é pelos nossos mortos, mas principalmente pelos nossos vivos, que foram e que ainda são expropriados de suas terras e territórios, que lutamos por terra e dignidade.
Já se foram 29 anos de impunidade, e a reforma agrária que está prevista na nossa Constituição nunca foi aplicada de fato em nosso país. Quem conhece essa luta de perto sabe que o pouco de terras que foi destinado para reforma agrária, foi resultado de lutas de movimentos como o MST. Terras essas, que não mais cumpriam sua função social, terras onde a exploração da natureza e dos seres humanos era a forma de aumentar o lucro daqueles que herdaram extensões de terras cujos limites a vista não alcança. Terras herdadas daqueles que expulsaram ou assassinaram os verdadeiros donos desses territórios.
O estado de Santa Catarina diz que vai proteger a propriedade privada. Propriedade de quem?
Um estado que se diz civilizado. Que civilidade é esta que dá a um grupo o direito de matar outro? Qual a legitimidade desta lei se o direito à ocupação de um território que não cumpre sua função social é um direito constitucional? Logo, quem vai determinar o que é ocupação e o que é invasão?
Essa lei dá ao cidadão comum – ou não tão comum assim – melhor dizendo, dá aos ricos, o direito de matar os pobres que se organizam para fazer valer o direito à terra, previsto na Constituição Federal. Essa lei ainda garante a liberdade a quem mata, depois de seus crimes cometidos.
A considerar que as terras que são ocupadas são terras que não cumprem a função social, e isso é um crime, quem irá julgar? O abril amarelo, que diz em uma de suas cláusulas promover a conscientização da defesa da propriedade privada.
De quais terras estão falando? Das terras indígenas que foram roubadas e até hoje não foi demarcado o pouco que restou para os verdadeiros donos? Dos quilombos onde as pessoas estão há mais de século vivendo de forma irregular? Das propriedades dos caboclos que foram assassinados ou expulsos e hoje sobrevivem da exploração de seu trabalho nas terras que outrora eram suas?
O abril amarelo é uma tentativa de enterrar, novamente, os 19 Sem Terra assassinados em Eldorado dos Carajás. O Abril seguirá Vermelho, e, infelizmente, essa lei que se diz amarela, busca fomentar atos que podem transformar, mais uma vez, esse mês de lutas em um abril vermelho de sangue.
Se calarmos, as pedras gritarão!
Oziel Alves. Presente! Presente! Presente!